Plinio Corrêa de Oliveira

 

Como o destino da Cristandade, em determinado momento, pode depender de poucos

A célebre batalha em Malta,

a 23 de junho de 1565

 

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 12 de junho de 1972 

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

 

Ilustração: Encerrado o cerco de Malta, vitória do Grão Mestre La Valette. Pintura por Charles Philippe Lariviére (1798-1876), Wikipedia.

Há poucos dias falei da “posição Saint’Elme”. Eu queria ler uma ficha que me foi fornecida a respeito desse assunto, extraída do “Catolicismo” de Março de 1969 (pág. 7). O que era a posição Saint´Elme.

O artigo do “Catolicismo” tem o título: “Como se celebrou em Malta a vigília de São João do ano de 1565”. Portanto, os senhores estão vendo, há 407 anos atrás.

A ficha, em resumo, seria o seguinte:

"Colocada numa posição estratégica incomparável, a ilha de Malta, baluarte dos Hospitalários..."

Trata-se de uma Ordem de Cavalaria, cujos membros, como os senhores sabem, faziam voto de pobreza, castidade e de obediência, e se entregavam a luta à mão armada para libertar o Santo Sepulcro, bem como ao trato dos doentes, dos feridos durante a guerra santa, e pelos doentes em geral. 

"...dificultava terrivelmente a comunicação entre os extremos do Império Otomano, num tempo em que o poderio turco estava no seu apogeu. A batalha de Lepanto não se travara ainda, e para se ter ideia desse apogeu, basta lembrar que os exércitos do Grão Senhor turco se achavam próximos de Viena e suas tropas atacavam a costa espanhola."

Os senhores, para terem uma ideia da imensidade de poder que isso representa e até que ponto a Turquia era, naquele tempo, uma superpotência, para se usar a expressão de nossos dias, basta os senhores refazerem um pouquinho, na memória, a situação geográfica.

Os senhores sabem que o Império Turco ocupava, entre outras partes, toda a Ásia Menor; ocupava também a cidade de Constantinopla, situada já na Europa, do outro lado do Bósforo, e uma boa parte dos Balcãs, ou quase a totalidade dos Balcãs. O Império Turco estava de tal maneira desenvolvido, e era um império maometano, que ao mesmo tempo as tropas do imperador da Turquia atacavam Viena, e a sua marinha atacava a Espanha. Era, portanto, como uma espécie de imenso abutre nocivo e que, com as suas duas extremidades atacava duas pontas da Cristandade.

Acontece que essas partes extremas do Império Turco só seriam convenientemente atingíveis por mar, e assim os navios tinham que passar ao alcance da ilha de Malta; e com os seus navios de guerra com base na ilha, portanto, bem abastecidos, bem munidos, com a possibilidade de recuarem para o abrigo da ilha fortalecida com bons canhões, atacavam então as comunicações. De maneira que a ilha de Malta tornava difícil a coesão desse imenso império.

Ora, para os grandes impérios o problema fundamental é a coesão. Força eles têm. Mas como fazer caminhar todas essas forças numa mesma direção? Como sincronizá-las, de maneira a realizarem uma mesma ordem recebida de um mesmo senhor? Aqui está o problema.

Essa coesão era ameaçada pela ilha de Malta, ocupada por essa Ordem de Cavalaria, que era como que um prego posto no coração da Turquia. Mas um prego só, um prego isolado, um prego débil em face da imensidade do Império, que envolvia Malta de todos os lados. Os srs. precisam lembrar-se que o norte da África também era maometano. De maneira que o apoio que Malta tinha era um apoio relativamente pequeno. Como, aliás, a narração que os senhores verão vai lhes mostrar.

“Decidido a terminar de uma vez por todas com o que considerava uma afronta pessoal... “

Quer dizer, essa existência de Malta cortando ao meio seu império.

“...o sultão Solimão, o Grande, convocou seus soldados de todos os recantos do Império, e reuniu uma formidável frota de 193 naus...”

Para aquele tempo era muito!

“...transportando mais de cem mil combatentes.”

O que, para aquele tempo, era um exército colossal! Cem mil combatentes era uma nuvem, era uma coisa nunca vista.

“Oitenta mil balas de canhão e quarenta mil quintais de pólvora. Era preciso, dizia ele, esmagar aquele “ninho de escorpiões”.“

Ou seja, ele resolveu mandar uma ofensiva que liquidasse com Malta. Notem bem, para os senhores compreenderem a beleza da situação, que Malta era, portanto, uma posição na qual a Europa Católica se defendia contra um império que a ameaçava. Se Malta caísse, a Europa toda ficava muito mais ameaçada, porque o Mediterrâneo ficaria quase um mare nostrumdos muçulmanos e com isso o ataque à Europa ficava muito fácil.

Agora, os senhores vão ver, dentro de Malta, a importância da posição que é Saint´Elme. Malta é um Saint´Elme da Europa e Saint´Elme será uma Malta de Malta. E aí os senhores vão ver como o destino de um grande continente, o destino da Cristandade em determinado momento pode depender de poucos. É a tese que nos é tão cara.

“Por seu lado, os Monges-soldados não estavam inativos. Advertida por espiões, a Ordem convocara todos os seus membros dispersos pela Europa para que acorressem incontinente a Malta“.

Eles sabiam, portanto, fazer as coisas: tinham espiões na Turquia para os advertirem do que lá se passava. E estavam no seu direito de ter, evidentemente. Mas isso destrói uma certa ideia mocoronga, desvirtuada, do verdadeiro católico, incapaz jamais de mandar organizar um serviço de noticiário e informações bem aparelhado.

De outro lado, os senhores estão vendo a presença de espírito deles. Sabendo que o sultão preparava um ataque enorme contra eles; tendo a Ordem de Malta muitas fortalezas na Europa, com cavaleiros, com frades-guerreiros, eles então mandam recolher, mandam vir para Malta todos os cavaleiros dos vários castelos da Europa para a ilha estar cheia. Eles abandonam todas as posições para aceitar o supremo assalto.

E, ao mesmo tempo, eles mandam pedir auxílio ao maior monarca católico da Europa, que era Filipe II, da Espanha, e ao Papa, que tinha um pequeno Estado, capaz de mandar um certo reforço marítimo como mais tarde mandou em Lepanto, mas sobretudo que tinha uma grande influência diplomática, internacional, capaz, portanto, de determinar a ida de voluntários de outros países também para lutarem em Malta. Quer dizer, diante do perigo, eles também mobilizaram todos os recursos de que dispunham.

“Oito mil mulheres e crianças, da população civil da ilha foram enviados para o continente e acumularam-se as provisões necessárias, tudo sob orientação incansável do Grão Mestre La Valette.”

O Grão Mestre é o superior geral dessa Ordem. Era um francês, La Valette, um nobre, e ele teve previsão, quer dizer, ele mandou sair oito mil bocas não combatentes da cidade, para que todos os víveres, que pudessem caber dentro da ilha, que é pequena, fossem consumidos apenas por guerreiros; para que no caso do sítio, eles pudessem resistir o mais tempo possível. Quer dizer, o mais possível de guerreiros para Malta, o mais possível de bocas inúteis para fora de Malta. Quando a ilha fosse atacada, ela estava em forma completa para receber o ataque. Mas a questão, como os senhores verão, é que o ataque é terrível.

“Singular figura a desse ancião – o La Valette - de 70 anos, forte de corpo e de espírito, combatendo os infiéis desde a adolescência...”

Desde mocinho ele tinha entrado para a Ordem de Malta.

“...e tão temido desses, que Dragut, a velha raposa, declarava que a única coisa que receava no mar era o aparecimento da nau capitânia dos Hospitalários, conduzida pelo Comendador de La Valette...”

Isso é que eles tinham medo, era o La Valette, imaginem perfeita do monge guerreiro. Esperto, tem seus espiões, tem sua diplomacia; joga e é grande guerreiro, mete medo. Não é apenas um herói de escritório, mas há uma ocasião em que ele sai do escritório e mete o peito para a frente: “Não, agora, quem vai expor a vida sou eu e quem vai combater sou eu”. É a imagem perfeita do chefe! 

“A principal cidade de Malta, o Burgo como era chamada, situava-se entre duas pequenas enseadas. Essas enseadas davam numa baía que tinha por nome o Grande Porto.”

Quer dizer, a cidade principal ficava dependente de duas pequenas entrâncias de território, as quais davam para um golfo e uma baía. Essa baía, como os senhores vão ver, era defendida por uma península.

“Dominando o acesso desse porto pelo mar, erguia-se o forte de Santo Elmo. “

Quer dizer, aqui os senhores estão vendo uma península que defende a ilha, a qual defende a Cristandade. De maneira que é a península certa, para o lugar certo, para colocar os heróis certos. É a posição estratégia por excelência da Cristandade.

“A 18 de Maio os vigiais da Ordem anunciaram a vanguarda da frota muçulmana, a qual imediatamente encerrou a ilha num estreito bloqueio e desembarcou um destacamento de janízaros e sipahis que passaram a assolar os campos.”

Os senhores estão vendo que eles não tinham, portanto, nem navios em número suficiente para impedir o bloqueio, nem soldados em número suficiente para impedir o desembarque dentro da ilha. Desde logo eles eram tão inferiores aos atacantes em número, em poder, que desde logo os atacantes desceram na ilha, desde logo os atacantes puderam atacar os muros da cidade principal, do Burgo. Quer dizer, no primeiro impacto, eles ficaram reduzidos a esse ponto fundamental: o Burgo e depois a posição Saint´Elme.

“Dá-se aí o primeiro ataque, que vem agora. Após uma primeira conveniente preparação de artilharia, foi dado o assalto ao forte de Saint´Elme, mas lutando com determinação e apoiados por sólidas muralhas, os malteses repeliram o inimigo, matando mais de 2 mil turcos e perdendo apenas 20 cavaleiros e 120 soldados.“

É uma beleza! Vem agora o segundo ataque.

“Decididos a conquistar a fortaleza a qualquer preço, novo ataque desencadearam os infiéis no dia seguinte. Dessa vez o empreendimento foi confiado ao corpo de elite dos janízaros.”

Que eram soldados filhos de escravos católicos, ou crianças católicas que eles roubavam, e de que eles faziam a tropa de elite do exército turco.

“Os janízaros conseguiram saltar por cima dos fossos e lançar pontes sobre os fossos e acabaram repelidos pela fibra heroica dos defensores. A situação desses, porém, era crítica e um novo assalto provavelmente seria o último.“

Quer dizer, os janízaros deram um ataque tal que estava previsto que não havia possibilidade de resistência. Deu-se, entretanto, o terceiro ataque.

“Sob o fogo constante da artilharia inimiga, os sobreviventes da guarnição de Saint´Elme decidiram enviar um deles, o cavaleiro de la Cerda, ao Grão-Mestre, para perguntar se não seria mais útil que eles recuassem para o Burgo, abandonando uma posição que a morte de todos que a defendiam não impediria de ser tomada.”

Entenderam a coisa, não é? Eles acharam que era melhor salvar a vida deles para irem lutar no Burgo, porque do contrário eles morreriam sem vantagem para ninguém.

“Dominando a emoção, La Valette ordenou que resistissem até o fim, observando que cada dia ganho poderia permitir a chegada dos reforços solicitados à Europa.“

Aqui estava o problema: havia a possibilidade de chegarem as tropas pedidas a Felipe II e ao Papa. Se chegassem, podiam ainda ganhar a posição. Se ganhassem a posição muito mais facilmente mandar embora o adversário. Então, resposta de La Valette: resistam até morrer. Eu prefiro tê-los ali como cadáveres do que tê-los aqui como combatentes. É uma resposta árdua.

“Acrescentou depois, que se os defensores de Saint´Elme quisessem voltar ao Burgo, ele iria substituí-los pessoalmente no posto, com os cavaleiros que se oferecessem para tal. O comendador de Guaras, comandante de Saint´Elme imediatamente declarou que ali morreria com seus homens.“

E morreu, hein! Porque a questão é esta: ele morreu mesmo. Mas os senhores podem imaginar o que significa a volta do emissário, uma resposta dessas, a afronta: eles saírem e verem o velho Grão Mestre entrar com outra cavalaria, para defender o forte; e eles irem dormir no Burgo. Não era possível, era uma situação em que o sujeito morre.

Também, como o velho La Valette sabia jogar a situação. Ele percebeu que aquele pessoal estava meio pernibambos, ele colocou uma dessas posições que não tem saída: “Está acabado. Agora, lutem!”

“Dá-se então terceiro ataque. Durante vinte dias a fortaleza ainda resistiu, apesar dos assaltos quotidianos. Vendo seus soldados desencorajados, Mustafá solicitou o auxílio de Dragut que lhe colocou à disposição 3 mil guerreiros trazidos da África...“

Quer dizer, os malteses não recebiam gente de fora e chegaram a desanimar os atacantes, muito mais numerosos. Mas a questão é que os atacantes recebiam de fora e os malteses não recebiam. De maneira que a balança ia se inclinando contra os malteses.

“... membros da seita dos yayalars, muçulmanos fanáticos e de uma ferocidade sem igual. Como conta Pierre Varillon [no livro “L´Epopée des Chevaliers de Malte”] cobertos de peles de animais ferozes, versículos do Corão tatuados no rosto e no corpo, longos cabelos reunidos sob um capacete de prata, eles subiram as muralhas urrando horríveis blasfêmias, misturados a fórmulas de esconjuração.“

Os senhores estão vendo que é uma espécie de demônios. Os senhores podem imaginar, para esses homens cansados, verem subir as muralhas, escalar as muralhas, os tais yayalars com o rosto tatuado, cabelão comprido, um capacete de prata talvez terminando numa ponta e berrando coisas horrorosas, com peles de camelo nas costas. Quer dizer, um aspeto o menos próprio a animar uma pessoa que devesse oferecer resistência.

“Chegados às ameias, chocaram-se com os 62 frades-cavaleiros de São João e a centena de soldados, que era o que restava da guarnição e que não recuaram um passo. 162 homens contra o ataque de 3 mil. Lanças e espadas quebradas, os malteses se defenderam com adagas...”

Quer dizer, com punhais, uma forma especial de punhal.

“...e punhais, degolando os adversários e precipitando-os das muralhas. Finalmente, a vitória ficou com os cavaleiros e os yayalars para explicar a derrota declararam que o demônio combatia do lado deles.”

Os senhores vejam, o que é que é um frade guerreiro verdadeiramente devoto de Nossa Senhora. Que maravilhas eles realizaram! As maravilhas não chegaram ao fim... Bem, nós chegamos ao 4º ataque.

“O último assalto à fortaleza de Saint´Elme foi dada no dia 23 de junho, vigília de São Batista.”

Era o padroeiro da Ordem religiosa deles.

“Celebraremos no Céu a festa do Patrono do Hospital”, havia escrito pouco antes, ao Grão-Mestre, o comendador de Guaras.”

Quer dizer, sabiam todos que seriam mártires e eles sabiam que morreriam no dia seguinte, no dia do padroeiro deles. Então, diz: essa festa nós celebramos no Céu.

“Ao amanhecer do dia fatal, só restavam dentro da muralha meio derruídas, 60 homens feridos e mais nenhum chefe, tendo os últimos sido mortos ao lado de Guaras. Quando os turcos penetraram no que restava da fortaleza, degolaram imediatamente os sobreviventes e içaram o estandarte turco sobre a fortaleza de Saint´Elme.”

Os senhores imaginem a tristeza no Burgo vendo o estandarte do crescente, o estandarte de Maomé substituir o estandarte da Ordem de Malta. Seria a mesma coisa que os senhores verem, no topo de uma das nossas sedes, digamos por exemplo, naquela espécie de torreão da rua Maranhão, os senhores verem um comunista entrar, tirar, fazer descer o estandarte da TFP e levantar o estandarte com a foice e o martelo. Que sensação haveria de produzir! Isso viram os homens do Burgo.

“Aqui vem o quinto lance da luta. Escutando-se no Burgo os gritos de triunfo dos muçulmanos, a guarnição de pé, nas ameias, içou num mastro de 40 pés, o grande estandarte da Ordem.”  

Seria mais ou menos, como em réplica, hastear o estandarte da Sala do Reino de Maria, da Sede do Reino de Maria. Quer dizer: vocês tomaram aquele torreão e tiraram nosso estandarte de lá, nós tomamos nosso estandarte mais sacrossanto e mais solene e pomos no alto de nosso torreão, como quem diz: nessa luta vai tudo. Nós não pouparemos nada, nós não recuaremos diante de nada, mas nós faremos tudo para arrasar com vocês. Era uma resposta grandiosa ao desafio que eles recebiam.

“Ao lado dos cavaleiros e dos capelães, estava o bispo...”

Os bispos tinham frequentemente, geralmente, habitualmente a mentalidade inerente ao seu sacrossanto ministério. Tempos que duraram muito além desse. Mas serve um pouco para apagar essas ideias falsas a respeito de bispo mocorongo e bispo-“heresia branca” que estão na vivência de tantos. Os senhores vão ver o espetáculo grandioso.

“... de mitra e báculo, revestindo não os parâmetros pretos dos mortos, mas os vermelhos dos mártires e conduzindo o véu miraculoso de Nossa Senhora de Philerme. Altivos e majestosos, soldados e sacerdotes entoavam o hino com que  a Igreja celebra os atletas, da fé: “Deus, tuorum militum sors et corona, praemium...” - Ó Deus, de teus guerreiros, destino coroa, e prêmio.

Isso eles cantaram do alto da torre para os inimigos verem. Eram, naturalmente, distâncias pequenas. Nqueles tempos não tinham os binóculos prodigiosos dos nossos.

“Mustafá, surpreso ao ouvir o canto, perguntou a um de seus generais, de sangue cristão, herdeiro de um grande nome – Láscaris chamava-se ele...”

Era de soberanos católicos, ou cismáticos, não me lembro bem, da Ásia Menor, e até de Bizâncio, e durante algum tempo, se não estou enganado

“...e perguntou o que salmodiavam os inimigos. Láscaris, emocionado, respondeu-lhe: “Os cristãos celebram com este hino, a morte de seus irmãos”.

Quer dizer, com uma festa celebravam a morte de seus irmãos. Como quem dá a entender: nós não tememos morrer, porque nossa morte será uma festa também. Morreremos, mas preste atenção, morreremos matando. Esse era o aviso.

“Assim informado, o cruel seguidor de Mafona, Maomé, mandou imediatamente que lhe trouxessem os corpos dos heróis de Saint´Elme, e todos os prisioneiros cristãos que se encontrassem em poder de seu exército. Mortos e vivos foram colocados no centro de um quadro formado pelos yayalars sobreviventes. Por ordem de Mustafá, esses rasgam o peito dos cristãos e lhes arrancam o coração. Em seguida, os corpos são fendidos em forma de cruz, amarrados a tábuas e jogados ao mar para que as correntes os levem até Burgo.”

As correntes das águas levarem até o Burgo.

“Quando esses pobres e gloriosos despojos chegaram ao ancoradouro na cidade, o Grão-Mestre saía do Ofício, com os dignitários da Ordem.”

É bonita essa grande calma. Como não estava havendo um ataque imediato, eles estavam na calma, celebrando o Ofício do seu santo. Alta categoria! Os senhores poderiam dizer que é de uma distância psíquica exemplar...

Bem, então vejam a coincidência interessante, abrir-se as portas da catedral de Malta e sair o cortejo do bispo, com os guerreiros etc., numa atmosfera de glória e de tragédia, e ao mesmo tempo o mar trazendo os corpos dos mártires quando o Ofício estava terminado.

“Comovido até às lágrimas, La Valette proclamou que o bárbaro desafio dos turcos exigia uma resposta imediata. Com a aprovação de seu Conselho, mandou matar todos os prisioneiros maometanos, e os pedaços de seus corpos previamente atados às bocas dos canhões, levaram...” [ao Serasquier a terrivel resposta da Religião]

Os senhores estão vendo a [como reagiria a] mentalidade moderna: “olhe, esse pessoal está furioso... É melhor nós não desafiarmos muito, porque se eles dominam, nós ficamos perdidos. E, olha lá, vai nos acontecer o que aconteceu com aqueles”...

Esses são os homens que serão derrotados. Porque quem faz uma guerra com esses medinhos de não morrer, esse não vale dois caracóis; ele já perdeu a guerra. A guerra tem que se fazer sem medir milímetros. Vai por inteiro, aconteça o que acontecer!

“Sexto lance: Felipe II, atendendo afinal, aos reclamos do seu próprio zelo, determinara a partida de uma frota, comandada por Dom Garcia de Toledo, e conduzindo 14 mil combatentes. Chegando de surpresa, os espanhóis descarregaram, de passagem, seus canhões sobre as naves turcas...”

Não pode ser melhor.

”...antes de atracar no porto.”

Quer dizer, já antes de atracar, uma “festa” prévia...

Agora, no que pensava La Valette? Os senhores vão ficar estarrecidos. Os senhores estão pensando Valette no porto, dando pulos os outros: “Venha, venha logo. Entrem logo. De repente eles chegam antes de vocês acostarem. Manda preparar a atracação”.

Não é não. Os homens eram homens de alma nobre e que consideravam todas as coisas com muita distância. Ele estava preocupado com o problema de protocolo... Assim era a alma de um fidalgo, para o qual a gentileza e as boas maneiras tinham uma importância...

Por que isso? O problema é o seguinte: a frota espanhola entrou dando salvas em homenagem à ilha de Malta. E eles não tinham mais balas para responder. Como fazer? É um apuro heroico...

Quer dizer, todas as possibilidades de reação estavam esgotadas, ele tinha lutado até o último tiro, até o fim da munição. Encontrou uns foguetes. E para não ficar atrás da gentileza dos espanhóis, mandou soltar uns foguetinhos para homenagear a esquadra que ia entrar. Pensando em tudo. É assim que se fazem as coisas, assim que se deve ser!

“La Valette não tinha mais balas para saudá-los e foi obrigado a soltar alguns foguetes para não faltar de todo à cortesia.”

Deveria ser bonito a gente assistir a descida do almirante espanhol, da esquadra espanhola, recebido no cais por La Valette. Deveria ser uma coisa... E com certeza não foi La Valette, porque o La Valette tinha grau soberano, ele era Príncipe da Ordem de Malta. Com certeza, apesar de estar salvo pelo espanhol, mandou alguém representá-lo no desembarque e ficou dignamente no seu palácio. Quer dizer, a coisa se passava segundo todas as boas normas.

“Com seu exército dizimado, seu moral alquebrado e obrigados a enfrentar agora não só os terríveis Hospitalários, como também as aguerridas tropas espanholas, viam-se os maometanos ameaçados de extermínio. Compreendendo a situação, abandonaram o campo o mais rápido que lhes foi possível e partiram para enfrentar a cólera do sultão.”

Porque dava pena de morte...

“E para não verem antes de sair novamente o estandarte da Ordem de Malta flutuar sobre as ruínas do forte de Saint´Elme.”

Como flutuou.

Os senhores podem imaginar a alegria do Grão Mestre, do alto se sua torre, contemplado de longe o içar do estandarte maltês sobre o forte de Saint´Elme. Quer dizer, os heróis de Saint´Elme tinham sido os verdadeiros heróis da luta. Eles, morrendo até o último homem, depois massacrados ainda depois de praticamente não terem mais meios de lutar, aceitando o martírio, eles fizeram essas duas coisas: eles foram celebrar no Céu a festa do patrono deles e puderam ver no Céu a glorificação deles. Quer dizer, a esquadra espanhola chegar, os turcos fugiram, e lentamente, com certeza com hosanas, Te Deum e Magnificat, o estandarte da ilha de Malta, da Ordem de Malta subir lentamente até o alto e a frota espanhola com certeza dar salvas de artilharia e os canhões malteses, abastecidos também por munição espanhola, dando salvas de artilharia, os sinos do Burgo tocando e a Ilha de Malta festejando a sua grande vitória.

Era um punhado da posição Saint´Elme que tinha conseguido isso. Verdadeiramente aí os senhores veem, como poucos podem muita e grande coisa. Essa é a lição que nós devemos tirar.

Como também, dentro dessa ilha, dentro dessa península, dessa fortificação Saint´Elme, como provavelmente a resistência esteve entregue em mãos de muito poucos, às vezes. Porque às vezes deveriam estar todos desanimados e podia haver um tipo qualquer entreguista e um tipo qualquer anti-entreguista. E os dois entrarem numa luta de influência e um pouco mais de energia de um do que do outro teria decidido o destino da península, da ilha, da Cristandade. Quer dizer, são séculos de história que dependeram do destino de um punhado...

Esse punhado, como é que enfrentou essa situação?

Haveria dos dois modos de enfrentar, ao se verem nesse apuro. Um seria o seguinte: “é verdade que Deus me chamou; eu estou aqui, eu devo cumprir meu dever, até vou cumprir o dever, não tem remédio... Deus me chamou... o que é que vou fazer? Eu vou cumprir meu dever. Mas se Deus tivesse chamado aquele pessoal que está lá no Burgo, como seria mais simpático... Se Deus tivesse chamado tanta gente que tem lá na Europa, como seria mais simpático... Ó Deus, por que Vós me chamastes?” Essa seria uma saída.

Outra saída seria a seguinte: “graças a Deus! são poucos e eu fui dos pouquíssimos chamados. O sacrifício é tremendo, mas o holocausto é o termo normal e glorioso da vida de um combatente católico; sobretudo de um guerreiro monge da Ordem de Malta. Graças a Deus eu vou lutar e vou morrer. É duro! Ó, meu Deus, dai-me as forças necessárias; ó minha Mãe, impetrai para mim essas forças, mas eu dentro de minha agonia e de meu medo – ou dentro de meu impulso e de minha coragem – eu vos peço auxílio para que eu persevere até o fim. Agora vamos lutar com coragem e com ênfase”!

Qual é o tipo de guerreiro que ganha? É o primeiro ou é o segundo tipo? Evidentemente é o segundo tipo.

A TFP, nessa imensa guerra psicológica e ideológica dos dias de hoje, é uma posição Saint´Elme. Quantas e quantas coisas dependem da TFP.

Há dois modos de a gente pertencer à TFP. Um é: “Deus me chamou, eu tenho que aguentar nos ombros esse fardo, Nossa Senhora me chamou, lá vai..., Ela quis, o que é que eu posso fazer? Ela manda, não é? Eu lá vou”...

Outra saída é: “que maravilha! que ideal Nossa Senhora me deu! Que cruz para carregar! Essa cruz pode pesar por vezes, mas eu estou disposto a tudo para levá-la até o alto do Calvário. Minha Mãe, dai-me forças porque eu quero ser muito mais forte do que eu fui, para dar tudo absolutamente quanto Vós podeis desejar de mim. E para frente! Eu quero no momento de morrer, poder dizer como São Paulo: eu combati o bom combate, eu terminei a minha carreira, Deus, dai-me agora o prêmio de vossa glória”! E ir para frente.

É claro que nós devemos ser dos segundos. E é para que o sejamos, que eu quis comentar com os senhores essa ficha de hoje. 

Também para que os senhores rezem pelos que estão nas nossas pequenas posições Saint´Elme. Se todos esses que estão nessas penínsulas da TFP, que são esses pequenos grupos que estão quase se apagando ou mal se acendendo – se todos esses lutarem valentemente, a expansão da TFP pode ter um resultado extraordinário. É preciso, portanto, que nós que estamos aqui, no Burgo, rezemos por eles, prestes a irmos nós para um Saint´Elme qualquer desde que a isso nos chame a nossa vocação. Aí está, eu não tenho mais nada para declarar. Então, podemos encerrar.


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