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Seguindo os passos do Senhor

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Ego sum via, veritas et vita, Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Com estas palavras inequívocas, mostrou-nos o Senhor qual é a vereda autêntica que conduz à felicidade eterna. Ego sum via: Ele é a única senda que liga o Céu à terra. Declara-o a todos os homens, mas recorda-o especialmente àqueles que, como tu e como eu, lhe disseram que estão decididos a tomar a sério a sua vocação de cristãos, de modo que Deus se ache sempre presente em seus pensamentos, em seus lábios e em todas as suas ações, mesmo nas mais comuns e correntes.

Jesus é o caminho. Ele deixou sobre este mundo as pegadas límpidas dos seus passos, sinais indeléveis que nem o desgaste dos anos nem a perfídia do inimigo conseguiram apagar. Iesus Christus heri et hodie; ipse et in saecula. Quanto gosto de recordá-lo: Jesus Cristo, o mesmo que foi ontem para os Apóstolos e para as multidões que o procuravam, vive hoje para nós e viverá pelos séculos. Somos nós, os homens, quem às vezes não consegue descobrir o seu rosto, perenemente atual, porque olhamos com olhos cansados ou turvos. Agora, ao começarmos estes minutos de oração junto do Sacrário, pede-lhe como aquele cego do Evangelho: Domine, ut videam!, Senhor, que eu veja!, que a minha inteligência se encha de luz e a palavra de Cristo penetre na minha mente; que arraigue em minha alma a sua Vida, para que eu me transforme, de olhos postos na Glória eterna.

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Que transparentes são os ensinamentos de Cristo! Como de costume, abramos o Novo Testamento, agora no capítulo XI de São Mateus: Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração. Estamos vendo? Temos que aprender dEle, de Jesus, o nosso único modelo. Se queres ir em frente, prevenindo tropeços e extravios, basta-te andar por onde Ele andou, pousar as plantas dos pés na marca das suas pegadas, adentrar-te em seu Coração humilde e paciente, beber do manancial dos seus preceitos e afetos; numa palavra, hás de identificar-te com Jesus Cristo, hás de procurar converter-te de verdade em outro Cristo entre os teus irmãos, os homens.

Para que ninguém se iluda, vamos ler outra citação de São Mateus. No capítulo XVI, o Senhor precisa ainda mais a sua doutrina: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. O caminho de Deus é de renúncia, de mortificação, de entrega, mas não de tristeza ou de apoucamento.

Repassa o exemplo de Cristo, desde o berço de Belém até o trono do Calvário. Considera a sua abnegação, as suas privações: fome, sede, fadiga, calor, sono, maus tratos, incompreensões, lágrimas...; e a sua alegria em salvar a humanidade inteira. Gostaria de gravar agora profundamente na tua cabeça e no teu coração - para que o medites muitas vezes e o traduzas em conseqüências práticas - as palavras com que São Paulo convidava os de Éfeso a seguir sem hesitações os passos do Senhor: Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados, e andai no amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós a Deus, em oferenda e hóstia de suavíssimo odor.

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Jesus entregou-se a si mesmo, feito holocausto por amor. E tu, discípulo de Cristo; tu, filho predileto de Deus; tu, que foste comprado a preço de Cruz; tu também deves estar disposto a negar-te a ti mesmo. Portanto, sejam quais forem as circunstâncias concretas por que passemos, nem tu nem eu podemos ter uma conduta egoísta, aburguesada, comodista, dissipada... - perdoa-me a minha sinceridade -, néscia! Se ambicionas a estima dos homens, e tens ânsias de ser considerado ou apreciado, e não procuras senão uma vida confortável, saíste do caminho... Na cidade dos santos, só se permite a entrada - e que se descanse e se reine com o Rei pelos séculos eternos - àqueles que passam pela via áspera, apertada e estreita das tribulações.

É necessário que te decidas voluntariamente a carregar a cruz. Senão, dirás com a língua que imitas Cristo, mas as tuas obras o desmentirão; assim não conseguirás ter intimidade com o Mestre nem o amarás de verdade. Urge que os cristãos se convençam bem desta realidade: não caminhamos junto do Senhor quando não sabemos privar-nos espontaneamente de tantas coisas que o capricho, a vaidade, a vida regalada, o interesse nos reclamam... Não deve passar um só dia sem que o tenhas condimentado com a graça e o sal da mortificação. E rejeita a idéia de que, nesse caso, estás condenado a ser um infeliz. Pobre felicidade será a tua se não aprendes a vencer-te a ti mesmo, se te deixas esmagar e dominar pelas tuas paixões e veleidades, em vez de tomares a cruz galhardamente.

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Lembro-me agora - certamente algum de vós me terá ouvido este mesmo comentário em outras meditações - daquele sonho de um escritor do século de ouro castelhano. Diante dele, abrem-se dois caminhos. Um apresenta-se bem largo e transitável, fácil, pródigo em vendas e pousadas e em outros lugares amenos e regalados. Por ali avança a gente a cavalo ou em carruagens, entre músicas e risos: gargalhadas loucas; contempla-se uma multidão embriagada num deleite aparente, efêmero, porque essa rota acaba num precipício sem fundo. É a senda dos mundanos, dos eternos aburguesados: ostentam uma alegria que na realidade não têm; procuram insaciavelmente toda a espécie de comodidades e prazeres...; horroriza-os a dor, a renúncia, o sacrifício. Não querem saber nada da Cruz de Cristo; pensam que é coisa de malucos. Mas são eles os dementes. Escravos da inveja, da gula, da sensualidade, acabam sofrendo mais, e tarde caem na conta de que, por uma bagatela insípida, malbaratam a sua felicidade terrena e a eterna. Assim o faz notar o Senhor: Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, encontrá-la-á. Porque, de que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?

Por direção diferente discorre nesse sonho o outro caminho: tão estreito e empinado que não é possível percorrê-lo a lombo de cavalgadura. Todos os que o empreendem avançam pelos seus próprios pés, talvez em zigue-zague, de rosto sereno, pisando sobre abrolhos e ladeando penhascos. Em determinados pontos, deixam em farrapos as suas vestes e até a sua carne. Mas, no fim, espera-os um vergel, a felicidade para sempre, o Céu. É o caminho das almas santas que se humilham, que por amor de Jesus Cristo se sacrificam com gosto pelos outros; a rota dos que não temem subir encostas, carregando amorosamente a sua cruz, por muito que pese, porque sabem que, se o peso os afunda, poderão levantar-se e continuar a ascensão: Cristo é a força desses caminhantes.

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Que importância tem tropeçar, se na dor da queda encontramos a energia que nos reergue e nos impele a prosseguir com alento renovado? Não nos esqueçamos de que santo não é o que não cai, mas o que se levanta sempre, com humildade e com santa teimosia. Se no livro dos Provérbios se comenta que o justo cai sete vezes por dia, tu e eu - pobres criaturas - não devemos admirar-nos nem desanimar com as nossas misérias pessoais, com os nossos tropeços, porque continuaremos avante se procurarmos a fortaleza nAquele que nos prometeu: Vinde a mim todos os que andais fatigados com trabalhos e cargas, e eu vos aliviarei. Obrigado, Senhor, quia tu es, Deus, fortitudo mea, porque foste sempre Tu, e só Tu, meu Deus, a minha fortaleza, o meu refúgio e o meu apoio.

Se desejas verdadeiramente progredir na vida interior, sê humilde. Recorre com constância, confiadamente, à ajuda do Senhor e de sua Mãe bendita, que é também tua Mãe. Com serenidade, tranqüilo, por muito que doa a ferida ainda não cicatrizada do teu último resvalo, abraça de novo a cruz e diz: Senhor, com o teu auxílio, lutarei para não me deter, responderei fielmente aos teus apelos, sem temor às encostas empinadas, nem à aparente monotonia do trabalho habitual, nem aos cardos e aos seixos do caminho. Sei que sou assistido pela tua misericórdia e que, no fim, acharei a felicidade eterna, a alegria e o amor pelos séculos infinitos.

Depois, durante o mesmo sonho, descobria aquele escritor um terceiro itinerário: estreito, atapetado também de asperezas e de vertentes duras como o segundo. Por ali avançavam alguns no meio de mil penas, com ar solene e majestoso. No entanto, acabavam no mesmo precipício horrível a que conduzia o primeiro caminho. Esse é o trajeto dos hipócritas, dos que não têm uma intenção reta, dos que se deixam arrastar por um falso zelo, dos que pervertem as obras divinas misturando-as com egoísmos temporais. É uma estultícia abordar um empreendimento trabalhoso para ser admirado; guardar os mandamentos de Deus à custa de um esforço árduo, mas aspirar a uma recompensa terrena. Quem pretende benefícios humanos com a prática das virtudes é como aquele que desbarata um objeto precioso, vendendo-o por poucas moedas: podia conquistar o Céu e, no entanto, contenta-se com um louvor efêmero... Por isso se diz que as esperanças dos hipócritas são como a teia de aranha: tanto esforço para tecê-la e, no fim, leva-a de um sopro o vento da morte.

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Se vos recordo estas verdades fortes, é para vos convidar a examinar atentamente os motivos que determinam a vossa conduta, a fim de retificardes o que precise de retificação, orientando tudo para o serviço de Deus e dos vossos irmãos, os homens. Vede que o Senhor passou ao nosso lado, olhou-nos com carinho e chamou-nos com uma vocação santa, não pelas nossas obras, mas pelo seu beneplácito e pela graça que nos foi outorgada em Jesus Cristo antes de todos os séculos.

Purificai a intenção, ocupai-vos de todas as coisas por amor a Deus, abraçando com júbilo a cruz de cada dia. Tenho-o repetido milhares de vezes, porque penso que estas idéias devem estar esculpidas no coração dos cristãos: quando não nos limitamos a tolerar, mas amamos a contradição, a dor física ou moral, e a oferecemos a Deus em desagravo pelos nossos pecados pessoais e pelos pecados de todos os homens, eu vos asseguro que essa pena não acabrunha.

Não se carrega já uma cruz qualquer, descobre-se a Cruz de Cristo, com o consolo de ver que é o Redentor quem se encarrega de suportar o peso. Nós colaboramos como Simão de Cirene que, quando regressava do trabalho na sua granja, pensando num merecido repouso, se viu forçado a oferecer os ombros para ajudar Jesus. Para uma alma enamorada, ser voluntariamente Cireneu de Cristo, acompanhar tão de perto a sua Humanidade dolente, reduzida a um farrapo, não significa uma desventura, mas a certeza da proximidade de Deus, que nos abençoa com essa eleição.

Com muita freqüência, não poucas pessoas me têm falado com assombro da alegria que, graças a Deus, os meus filhos no Opus Dei possuem e transmitem. Perante a evidência dessa realidade, respondo sempre com a mesma explicação, porque não conheço outra: o fundamento dessa felicidade consiste em não terem medo à vida nem à morte, em não se encolherem perante a tribulação, no esforço cotidiano por viverem com espírito de sacrifício, constantemente dispostos - apesar da sua miséria e debilidade - a negar-se a si próprios, contanto que consigam tornar o caminho cristão mais acessível e mais amável aos outros.

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Enquanto falo, sei que vós, na presença de Deus, procurais ir revendo o vosso comportamento. Não é verdade que a maioria dos desassossegos que têm inquietado a tua alma, dessas faltas de paz, resultam de não teres correspondido aos apelos divinos? Ou então, de estares talvez percorrendo a senda dos hipócritas, porque te procuravas a ti mesmo? Com a triste tentativa de manteres diante dos que te rodeiam a mera aparência de uma atitude cristã, no teu interior negavas-te a aceitar a renúncia, a modificar as tuas paixões torcidas, a dar-te sem condições, abnegadamente, como Jesus Cristo.

Reparai: nestes momentos de meditação diante do Sacrário, não podeis limitar-vos a escutar as palavras que o sacerdote pronuncia como que materializando a oração íntima de cada um. Eu te apresento umas considerações, indico-te alguns pontos, para que tu os absorvas ativamente e reflitas por tua conta, convertendo-os em tema de um colóquio personalíssimo e silencioso com Deus, de maneira que os apliques à tua situação e, com as luzes que o Senhor te oferece, distingas na tua conduta o que anda retamente do que discorre por mau caminho, para retificares com a sua graça.

Agradece ao Senhor esse cúmulo de boas obras que realizaste desinteressadamente, porque podes cantar com o salmista: Ele tirou-me do fosso da perdição, do pântano lodoso, e assentou meus pés sobre rocha; deu firmeza aos meus passos. Pede-lhe também perdão pelas tuas omissões ou pelos teus passos em falso, quando te introduziste nesse lamentável labirinto da hipocrisia, afirmando que desejavas a glória de Deus e o bem do teu próximo, mas na realidade te honravas a ti mesmo... Sê audaz, sê generoso, e diz que não: que já não queres decepcionar mais o Senhor e a humanidade.

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É o momento de acudires à tua Mãe bendita do Céu, para que te acolha em seus braços e te consiga do seu Filho um olhar de misericórdia. E procura depois fazer propósitos concretos: corta de uma vez, ainda que doa, esse pormenor que estorva e que Deus e tu conheceis bem. A soberba, a sensualidade, a falta de sentido sobrenatural aliar-se-ão para sussurrar-te: Isso? Mas se se trata de uma circunstância boba, insignificante! E tu respondes, sem dialogar mais com a tentação: Entregar-me-ei também nessa exigência divina! E não te faltará razão: o amor se demonstra de modo especial em ninharias. Ordinariamente, os sacrifícios que o Senhor nos pede, os mais árduos, são minúsculos, mas tão contínuos e valiosos como o bater do coração.

Quantas mães conheceste tu como protagonistas de um ato heróico, extraordinário? Poucas, muito poucas. E, no entanto, mães heróicas, verdadeiramente heróicas, que não aparecem como figuras de nada espetacular, que nunca serão notícia - como se diz -, tu e eu conhecemos muitas: vivem negando-se a todas as horas, cerceando com alegria os seus próprios gostos e inclinações, o seu tempo, as suas possibilidades de afirmação ou de êxito, para atapetar de felicidade os dias de seus filhos.

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Vejamos outros exemplos, também da vida corrente. São Paulo os menciona: Todos os que combatem na arena de tudo se abstêm, e isso para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, uma incorruptível. Basta-vos lançar um olhar ao vosso redor. Reparai a quantos sacrifícios se submetem, de boa ou má vontade, eles e elas, para cuidar do corpo, para defender a saúde, para conseguir a estima alheia... Não seremos nós capazes de deixar-nos impressionar por esse imenso amor de Deus, tão mal correspondido pela humanidade, mortificando o que tiver de ser mortificado, para que a nossa inteligência e o nosso coração vivam mais atentos ao Senhor?

Distorceu-se de tal forma o sentido cristão em muitas consciências, que, ao ouvirem falar de mortificação e penitência, só pensam nesses grandes jejuns e cilícios que se mencionam nos admiráveis relatos de algumas biografias de santos. Ao iniciarmos esta meditação, estabelecemos a premissa evidente de que temos que imitar Jesus Cristo, como modelo de conduta. Não há dúvida de que Ele preparou o começo da sua pregação retirando-se ao deserto, a fim de jejuar durante quarenta dias e quarenta noites, mas antes e depois praticou a virtude da temperança com tanta naturalidade que os seus inimigos se aproveitaram disso para tachá-lo caluniosamente de homem glutão e bebedor, amigo de publicanos e de gente de má vida.

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Interessa-me que descubramos em toda a sua profundidade esta simplicidade do Mestre, que não faz alarde da sua vida penitente, pois é isso mesmo que Ele te pede a ti: Quando jejuardes, não queirais fazer-vos tristes como os hipócritas, que desfiguram o rosto para mostrar aos homens que jejuam. Na verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. Mas tu, quando jejuares, perfuma a tua cabeça e lava o teu rosto, para que os homens não saibam que jejuas, mas unicamente teu Pai, que presencia o que há de mais secreto, e teu Pai, que vê o que se passa em segredo, te dará a recompensa.

Assim deves tu praticar o espírito de penitência: de olhos postos em Deus e como um filho, como o garotinho que demonstra a seu pai quanto o ama, renunciando aos seus poucos tesouros de escasso valor: um carretel, um soldado descabeçado, uma tampinha de garrafa... Custa-lhe dar esse passo, mas por fim vence o carinho e, já contente, estende a mão.

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Permiti-me que martele em vós, uma vez após outra, o caminho que Deus espera que cada um percorra, quando nos chama a servi-lo no meio do mundo, para santificar e santificar-nos através das ocupações habituais. Com um senso comum fantástico, e ao mesmo tempo cheio de fé, pregava São Paulo: Na lei de Moisés está escrito: Não ponhas mordaça ao boi que debulha. E interroga-se: Porventura Deus tem cuidado dos bois? Não é antes por nós mesmos que Ele o diz? Sim, é por nossa causa que se escrevem estas coisas; porque quem lavra deve lavrar com esperança; e quem debulha deve fazê-lo com a esperança de participar dos frutos.

A vida cristã jamais se reduziu a um entrançado aflitivo de obrigações, que deixa a alma submetida a uma tensão exasperante. Amolda-se às circunstâncias individuais como uma luva à mão, e pede que no exercício das nossas tarefas habituais, nas grandes e nas pequenas, com a oração e a mortificação, não percamos jamais o “ponto de mira” sobrenatural. Pensai que Deus ama apaixonadamente as suas criaturas, e, aliás..., como é que trabalhará o burro se não lhe dão de comer nem dispõe de algum tempo para restaurar as forças, ou se lhe quebram o vigor com excessivas pauladas? O teu corpo é como um burrico - um burrico foi o trono de Deus em Jerusalém - que te leva ao lombo pelas veredas divinas da terra: é preciso dominá-lo para que não se afaste das sendas de Deus, e animá-lo para que o seu trote seja tão alegre e brioso quanto é possível esperar de um jumento.

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Procuras tomar já as tuas resoluções de propósitos sinceros? Pede ao Senhor que te ajude a contrariar-te por seu amor; a pôr em tudo, com naturalidade, o aroma purificador da mortificação; a gastar-te no seu serviço, sem espetáculo, silenciosamente, como se consome a lamparina que tremeluz junto do Tabernáculo. E para o caso de agora não te ocorrer como corresponder concretamente às solicitações divinas que te batem à porta do coração, escuta-me bem.

Penitência é o cumprimento exato do horário que marcaste, ainda que o corpo resista ou a mente pretenda evadir-se em sonhos quiméricos. Penitência é levantar-se na hora. E também não deixar para mais tarde, sem um motivo justificado, essa tarefa que te é mais difícil ou trabalhosa.

A penitência está em saberes compaginar todas as tuas obrigações - com Deus, com os outros e contigo próprio -, sendo exigente contigo de modo que consigas encontrar o tempo de que cada coisa necessita. És penitente quando te submetes amorosamente ao teu plano de oração, apesar de estares esgotado, sem vontade ou frio.

Penitência é tratar sempre com a máxima caridade os outros, começando pelos da tua própria casa. É atender com a maior delicadeza os que sofrem, os doentes, os que padecem. É responder com paciência aos maçantes e inoportunos. É interromper ou modificar os programas pessoais, quando as circunstâncias - sobretudo os interesses bons e justos dos outros - assim o requerem.

A penitência consiste em suportar com bom humor as mil pequenas contrariedades da jornada; em não abandonares a tua ocupação, ainda que de momento te tenha passado o gosto com que a começaste; em comer com agradecimento o que nos servem, sem importunar ninguém com caprichos.

Penitência, para os pais e, em geral, para os que têm uma missão de governo ou educativa, é corrigir quando é preciso fazê-lo, de acordo com a natureza do erro e com as condições de quem necessita dessa ajuda, sem fazer caso de subjetivismos néscios e sentimentais.

O espírito de penitência leva a não nos apegarmos desordenadamente a esse bosquejo monumental de projetos futuros, em que já previmos quais serão os nossos traços e pinceladas mestras. Que alegria damos a Deus quando sabemos renunciar às nossas garatujas e broxadas de mestrinho, e permitimos que seja Ele a acrescentar os traços e as cores que mais lhe agradem!

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Poderia continuar a apontar-te uma multidão de detalhes - citei-te apenas os que me vinham à cabeça - que podes aproveitar ao longo do dia para te aproximares mais e mais de Deus, mais e mais do teu próximo. Se te mencionei esses exemplos, insisto, não é porque eu despreze as grandes penitências; pelo contrário, demonstram-se santas e boas, e até necessárias, quando o Senhor nos chama por esse caminho, contando sempre com a aprovação de quem dirige a tua alma. Mas já te aviso que as grandes penitências são compatíveis com as quedas aparatosas, provocadas pela soberba.

Em contrapartida, se alimentamos um desejo contínuo de agradar a Deus nas pequenas batalhas pessoais - como sorrir quando não se tem vontade; eu vos garanto, além disso, que em certas ocasiões custa mais um sorriso do que uma hora de cilício -, é difícil dar pasto ao orgulho, à ridícula ingenuidade de nos considerarmos heróis notáveis; ver-nos-emos como um menino que mal consegue oferecer a seu pai ninharias - ninharias que, no entanto, são recebidas com imenso júbilo.

Portanto, um cristão tem que ser sempre mortificado? Sim, mas por amor. Porque este tesouro da nossa vocação nós o trazemos em vasos de barro, para que se reconheça que a grandeza do poder é de Deus e não nossa. Vemo-nos acossados por toda a sorte de tribulações, mas nem por isso perdemos o ânimo; encontramo-nos em grandes apuros, mas nem por isso desesperamos; somos perseguidos, mas não nos sentimos abandonados; abatidos, mas não inteiramente perdidos. Trazemos sempre no nosso corpo por toda a parte a mortificação de Jesus, a fim de que a vida de Jesus se manifeste também em nossos corpos.

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Talvez até este momento não nos tenhamos sentido premidos a seguir tão de perto os passos de Cristo. Talvez não tenhamos caído na conta de que podemos unir ao seu sacrifício reparador as nossas pequenas renúncias: pelos nossos pecados, pelos pecados dos homens em todas as épocas, por esse trabalho malvado de Lúcifer, que continua opondo a Deus o seu non serviam!, não servirei! Como é que nos atrevemos a clamar sem hipocrisia: “Senhor, doem-me as ofensas que ferem o teu Coração amabilíssimo”, se não nos decidimos a privar-nos de uma insignificância ou a oferecer um sacrifício minúsculo em louvor do seu Amor? A penitência - verdadeiro desagravo - lança-nos pelo caminho da entrega de nós mesmos, da caridade. Entrega para reparar, e caridade para ajudar os outros, como Cristo nos ajudou.

De agora em diante, tende pressa em amar. O amor nos impedirá a queixa, o protesto. Porque com freqüência suportamos a contrariedade, sim; mas nos lamentamos. E então, além de desperdiçarmos a graça de Deus, cortamos-lhe as mãos para futuros pedidos. Hilarem enim datorem diligit Deus. Deus ama quem dá com alegria, com a espontaneidade que nasce de um coração enamorado, sem os espaventos de quem se entrega como se prestasse um favor.

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Volta de novo a contemplar a tua vida e pede perdão por esse detalhe e por aquele outro que saltam imediatamente aos olhos da tua consciência; pelo mau uso que fazes da língua; por esses pensamentos que giram continuamente em redor de ti mesmo; por esse juízo crítico consentido que te preocupa tolamente, causando-te uma perene inquietação e desassossego... Podemos ser muito felizes! O Senhor nos quer contentes, bêbados de alegria, avançando pelos mesmos caminhos de ventura que Ele percorreu! Só nos sentimos infelizes quando nos empenhamos em desencaminhar-nos e enveredamos pela senda do egoísmo e da sensualidade; e muito pior ainda se nos enfiamos pela dos hipócritas.

O cristão há de manifestar-se autêntico, veraz, sincero em todas as obras. A sua conduta deve deixar transparecer um espírito: o de Cristo. Se alguém neste mundo tem obrigação de se mostrar conseqüente, é o cristão, porque recebeu em depósito - para fazer frutificar esse dom - a verdade que liberta, que salva. Padre, perguntar-me-eis, e como conseguirei essa sinceridade de vida? Jesus Cristo entregou à sua Igreja todos os meios necessários: ensinou-nos a rezar, a ganhar intimidade com seu Pai celestial; enviou-nos o seu Espírito, o Grande Desconhecido, que atua na nossa alma; e deixou-nos esses sinais visíveis da graça que são os Sacramentos. Usa-os. Intensifica a tua vida de piedade. Faz oração todos os dias. E não afastes nunca os teus ombros da carga prazerosa da Cruz do Senhor.

Foi Jesus quem te convidou a segui-lo como bom discípulo, a fim de que realizes a tua travessia pela terra semeando a paz e o gáudio que o mundo não pode dar. Para isso - insisto -, temos que andar sem medo à vida e sem medo à morte, sem nos esquivarmos a qualquer custo à dor, que para um cristão é sempre meio de purificação e ocasião de amar deveras os seus irmãos, aproveitando as mil circunstâncias da vida corrente.

Esgotou-se o tempo. Tenho que pôr ponto final a estas considerações com que tentei remexer a tua alma para que correspondesses concretizando alguns propósitos, poucos, mas bem determinados. Pensa que Deus te quer contente e que, se tu fazes da tua parte o que podes, serás feliz, muito feliz, felicíssimo, ainda que em momento nenhum te falte a Cruz. Porém, essa Cruz já não será um patíbulo, mas o trono do qual reina Cristo.

E a seu lado encontrarás Maria, sua Mãe, Mãe nossa também. A Virgem Santa te alcançará a fortaleza de que necessitas para caminhar com decisão, seguindo os passos do seu Filho.
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